sábado, 14 de maio de 2011

O politicamente correto, a separação da sociedade e a ditadura velada – O que um país laico pode fazer com sua liberdade de expressão.

Paisagem , de Albert Gleizes - 1912.



Por Geisiane Gomes

Desde a mais remota existência da sociedade somos divididos por nossas capacidades, por nossa educação, por nossa fé, por nosso modo de viver. No feudalismo éramos servos, vassalos dependentes dos nossos senhores que detinham terras e riquezas para auxiliar em nossa sobrevivência em uma terra muitas vezes hostil. No início do capitalismo éramos divididos entre os que detinham as máquinas e os que detinham os braços, éramos ou os burgueses ou os proletários. Já fomos divididos em humanos e animais, entre negros e brancos, entre elite e classe inferior, entre puros e impuros. Engana-se quem acha que isso acabou. Qualquer ação de divisão na sociedade deixa seus resquícios.
A sociedade se baseia entre grupos que tentam conviver, coexistir. Acabamos tentando amenizar ou forçar essa convivência várias vezes, temos sempre criado leis, regras, normas que tentam ajustar nossa convivência. Sejam elas sagradas ou simplesmente humanas - o que não é diferente – Estamos sempre tentando fazer com que sejamos um só. Isso é impossível dado que somos todos muito diferentes, a vida universal é uma utopia, o ecúmeno é improvável. A nossa única meta deveria ser o respeito, que tem passado apertado entre as linhas de inúmeros textos coletivizadores.
Vejamos o caso mais próximo, o Brasil, nossa constituição abre brechas para qualquer situação, e nesses anos estamos aumentando os direitos para que toda parcela da sociedade que já se sentiu excluída seja parte de um todo. Éramos um país indígena, os portugueses chegaram à terra inexplorada e dizimaram a maior parte de nós, hoje temos inúmeras leis que tentam proteger a cultura indígena. Os portugueses resolveram cultivar em nossas terras trouxeram negros africanos que viraram escravos e por muitos anos foram tratados como animais. Gradativamente, a partir de 1888 com a abolição da escravidão nossa constituição foi mais uma vez modificada para inserir mais uma parte ao uno. Hoje temos leis anti preconceito racial. Para que pudéssemos cultuar as nossas crenças tornamo-nos um país laico e constituímos que todas as religiões pudessem coexistir em nosso território.Nos demos ainda o direito da liberdade para se expressar.
Agora mais uma parcela da sociedade se sente ameaçada e exige seus direitos à proteção e a comunhão. Homossexuais têm lutado pelo direito de viverem sua vida sem o olhar carregado da sociedade. A união homoafetiva há poucos dias foi inserida na constituição. Agora eles querem mais, querem também uma lei que os resguarde contra o preconceito que tem sofrido. Mais uma vez o que se quer é respeito.
Hoje temos que tomar muito cuidado com qualquer tipo de opinião que vamos expressar, até mesmo com comentários inocentes ou uma maneira de olhar que não agrade ao outro. Outro ápice das discussões é o bullying que aparentemente tem sido culpado de vários acontecimentos aterradores na sociedade, como chacinas - como, por exemplo, a de Realengo no Rio de Janeiro no início do ano. Temos cenas de alunos que depois de agüentar inúmeras ofensas agridem seus colegas como última opção para se protegerem da ofensa moral. Ouvimos histórias de um corredor polonês, onde garotas que não estão dentro do padrão fútil de beleza, são agredidas física e verbalmente. Histórias de que simples trombadas podem causar a ira, que a simples diferenças nos traços podem gerar o ódio ao próximo e disso, mais uma vez, a agressão. Em outros casos as ofensas geram um grande show, com vestidos curtos e capas de revistas, o tão sonhado momento de fama.
Somos sempre assim contraditórios. Uns se escondem do errôneo conceito da sociedade, outros o exploram ao ponto de galgar seus sonhos através deles, mas tudo passa pelo que deveria ser a única lei a ser constitucional: o respeito. É só a partir dele que tentamos conseguir diferenciar o que é certo e o que errado, mas mais uma vez ele passa pelas entrelinhas.
Temos vários estatutos, o dos idosos, o da criança e do adolescente, temos ainda leis que nos protegem do racismo, teremos logo leis que nos protejam a amar sem olhar a quem. Teremos leis que nos protejam de prováveis ofensas que venhamos a sofrer e a ferir nosso ego.
Mas algo maior está pra acontecer, estamos criando leis que anulam as outras sem o menor pudor. Qualquer pessoa tem o direito e a liberdade de se expressar e isso será vetado no dia que não pudermos mais falar alguma característica da pessoa sem que ela se sinta ofendida e tenha o direito de por isso nos processar. Religiosos já se exaltam, pois não poderão mais expressar o que acham da sociedade em vigor sem que alguém os aponte e os transforme em monstros do preconceito.
Uma ditadura velada se instaura no politicamente correto. Na nossa última ditadura, não podíamos falar de liberdade, não podíamos ir contra os milicos, não podíamos querer sermos um só. Hoje queremos o direito de extrapolar a liberdade, queremos o direito de ser mais que um só, queremos o direito de nos separar da sociedade. Agora pequenos grupos acabaram mais resguardados que os outros, o preconceito passará a ser a lei e a ordem: cometa-o e pague por isso, fale das diferenças e se divirta com elas e seja excluído.
Não estou aqui para dizer o que é certo ou o que é errado. Muito menos para apontar as próximas catástrofes humanas. Mas para contar do medo do que está por vir, o medo de uma sociedade que esqueceu de que todos têm direitos a se expressar, uma sociedade que jamais fez do respeito sua maior lei. Uma sociedade que padecerá culpando os outros por seu medo de viver como se é.Uma sociedade em que seus indivíduos não conseguem superar barreiras para viverem em respeito.Uma sociedade que criará o preconceito a expressão e que no fim não conseguirá o respeito entre os povos e suas escolhas.

Ouro Preto,14 de maio de 2011.

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